Atletismo
Marcelo Gomes, de Campinas (SP) 220d

'Era para ser uma cirurgia simples, acabei em coma e tive pé amputado': o drama de Conceição Geremias 5r8

Imagine você, com 54 anos de carreira, praticando sete modalidades do atletismo e, de repente, por causa de uma "cirurgia simples", de síndrome do túnel do tarso, acabar tendo seu quadro clínico agravado, chegar à UTI e ficar entre a vida e a morte; no fim, perder uma de suas ferramentas de trabalho, com parte da perna esquerda amputada. u3c3u

Foi o que aconteceu com Conceição Geremias, atletas que representou o Brasil em três Olimpíadas (Moscou 1980, Los Angeles 1984 e Seul 1988) e foi campeã pan-americana em 1983.

"Olha, eu não sei se é obra do destino ou se é falha da medicina", iniciou ela, à ESPN. "Eu entrei no centro cirúrgico para fazer uma cirurgia simples, e as coisas foram se complicando. Hoje eu tenho uma amputação abaixo do joelho da perna esquerda, e no pé direito tenho algumas feridas, que estou fazendo curativo e vão cicatrizando."

"Fatalidade? Não sei. Eu vejo de duas formas, uma coisa que eu tenho que ar, que ninguém a por mim; e o outro lado só a medicina explica, porque era uma simples cirurgia do túnel do tarso, não era para provocar tudo isso", resume.

O trágico procedimento cirúrgico aconteceu em janeiro de 2024. Até o fim de 2023, ela ainda estava nas pistas, em competições da categoria máster. Faz apenas um mês que Conceição voltou para a casa da irmã mais velha, Dionir, que se dispôs a cuidar integralmente da caçula em Campinas, cidade no interior de São Paulo.

Conceição não quis citar o nome do médico supostamente ocasionou todo o grave problema de saúde que ela enfrentou, mas não deixou de contar os detalhes do pesadelo vivido em meses entre a vida e a morte no hospital.

"O médico falou: você sai andando. E eu sai andando do hospital, mas eu vim para casa, e sangrava muito. Foi complicando, complicando... E aí tive que voltar para o hospital. Tive esse problema de infecção hospitalar. Me deixaram abandonada lá, e o médico não ava. Ou olhava e não dizia nada. Enfim, a coisa foi se complicando até chegar a esse ponto."

"As minhas irmãs reclamavam para o médico, por mais atenção, mas não tinha como. Até que complicou: eu entrei em coma. Fui entubada e me transferiram de hospital, era da mesma rede, eu estava em Hortolândia e vim pra Campinas e fiquei muito tempo na UTI. Depois na unidade coronária, enfim, aí por fim, eu troquei de médico, e ele fez uma revascularização. Jorrou bastante sangue nas pernas, e aí que eu parei de sentir as dores, porque eram 24 horas de dor. Com a morfina, dos remédios que bombavam, perdi a noção do tempo."

Perguntada se pretende mover uma ação judicial contra o médico e o hospital onde viveu seu drama, Conceição afirmou que até consultou advogados, mas que, a princípio, não vê a Justiça como um caminho, pois os custos em causas do tipo são altos.

Todas as economias de Conceição foram gastas em remédios, enfermeiros e com os curativos que até hoje são feitos, três vezes por semana.

Nada impede, porém, que Conceição tenha um recado claro para quem a operou. "Eu falaria assim: você me garantiu que era uma cirurgia simples, e olha o estado que você me deixou. Eu, uma atleta bem-conceituada, você devia ter tomado mais cuidado, cuidado na cirurgia, no tratamento, coisa que não aconteceu", disse ela.

"Eu posso comparar com o (médico) vascular, o último. Quando eu retornei ao hospital e cheguei no pronto-socorro, na triagem, a moça já falou: 'nossa, a gente já estava te esperando. O doutor Fernando já avisou que você ia chegar'. O outro não, ele me largou lá, não apareceu mais. É um descaso. Agora ele vai viver com essa culpa: eu acabei com uma atleta famosa."

O desabafo de Conceição não caminha junto com a gratidão que ela carrega só por estar viva. Aliás, faz questão de destacar a importância de dois nomes, dois "anjos da guarda", segundo ela, que devolveram a esperança de dias melhores. O médico Fernando Daiggi e o enfermeiro Henrico Bressanim, duas testemunhas da fé e da força de uma mulher que tem muito a ensinar.

"Eu acho que eu estou mais preparada do que o João do Pulo. Porque ele se viu sozinho e teve todo aquele problema que a gente sabe. Mas eu, diferente do João do Pulo, quando recobrei a memória, me lembro que estava no centro cirúrgico, e veio o médico anunciar: 'Olha, a gente teve que fazer uma amputação'. Porque, até então, eu não tinha percebido, estava voltando. 'Nossa, é mesmo doutor?' E ele: 'Foi só um trecho'. E eu falei: 'Olha, eu agradeço por estar viva'. Foi isso que eu disse para ele. Nunca fiquei olhando para minha amputação como o fim do mundo."

Conceição também sabia que a amputação abaixo do joelho era melhor para a posterior obtenção de uma prótese. "Vai ser tranquilo uma prótese, e vou conseguir ter uma qualidade de vida", pensou.

Professora de educação física, a campeã pan-americana, de fato, agora volta a ter planos. Quer continuar tocando seus projetos sociais em Campinas, dando oportunidades a jovens da periferia, além de retornar, o quanto antes, às pistas de atletismo máster, onde há mais de 30 anos segue fazendo história – e pretende seguir assim até o fim da vida.

"Eu sonho entrar em uma pista. Não digo correndo, mas arremessando peso, lançando dardo, até um disco. Como não posso usar muito as pernas, para arremesso e lançamento, estou bem, estarei com os braços bem fortes para quando chegar minha hora."

Determinada a voltar às competições, Conceição só vê um único obstáculo para a realização desse sonho grandioso: o preço da prótese que a possibilite a prática esportiva. Um modelo para um atleta paraolímpico custa entre R$ 20 mil a R$ 30 mil.

Com o salário de professora aposentada, ela não tem condição de adquirir o equipamento que pode devolver a qualidade de vida que ela encontrou no esporte desde 1970. "Eu andei pesquisando preços, mas eu desanimei, porque é bem alto. Na verdade, eu não tenho dinheiro. Tem uns planos para 60 meses, mas é preço de um carro, né? Também não vejo condições de pagar com o meu salário, preciso de ajuda para conseguir."

Assim, ela segue sonhando...

O pé direito, que ela ainda não consegue colocar no chão, ainda está com feridas, sequelas da primeira intervenção cirúrgica malsucedida. Mas ela já consegue mexer o pé, um alento para quem há poucos meses disputava todos os campeonatos máster Brasil afora.

Neste 15 de outubro, dia do professor, Conceição Geremias deixa lições valiosas, talvez maiores até que o fato de ter disputado três Olimpíadas. Aquelas de uma professora com P maiúsculo. Como uma pequena contribuição, a ESPN deixa abaixo os canais de comunicação diretos da atleta, caso alguém possa contribuir financeiramente ou mesmo ajudar com palavras de incentivo.

O esporte e a memória do atletismo brasileiro agradecem.

  • Instagram: @apgeremias

  • Telefone: (19) 99747-1498

^ Ao início ^