É um momento histórico para a casa de aclamações do futebol brasileiro. Um dia depois de eleger para presidente, em conclave rapidíssimo, um dirigente que vai precisar se identificar com documento – original – com foto para entrar nos estádios do país, a CBF ungiu o novo técnico da seleção brasileira não com o glamour e iração que Carlo Ancelotti merece, mas com a deferência artificial que incomoda até mesmo o homenageado. Quem acompanhou a apresentação do carismático treinador italiano teve dificuldades para imaginar que houve um tempo, que não está tão distante, em que a contratação de um técnico estrangeiro para dirigir a seleção foi um tema que dividiu opiniões. No auditório de um hotel na Barra da Tijuca, Ancelotti recebeu a missão de conquistar a próxima Copa do Mundo como se fosse, e talvez seja mesmo, um messias.
Para a devida interpretação: Carlo – sem o “s” – Ancelotti é um técnico lendário por sua obra e justifica toda louvação. Não é exagero dizer que, a partir de hoje, nenhuma seleção no mundo tem um treinador melhor do que a brasileira. E não há nada de errado em tomar todas as providências para que uma pessoa vinda de outro país se sinta confortável e querida em sua nova casa. Ao contrário, isso se chama hospitalidade e é um conceito estranho a muita gente. O problema é o exagero que esbarra na subserviência, o “cuidado com o degrau e, se espirrar, saúde”, o brega-chique que caracteriza certos corredores do futebol nacional e deve fazer a sobrancelha de um sujeito elegante como Ancelotti se erguer mais do que está habituada.
A primeira entrevista coletiva não foi ruim, porque Ancelotti disse todas as coisas certas, com o equilíbrio entre a seriedade e a simpatia que assina sua forma de se comunicar. Dele, o que se ouviu de mais importante foi o interesse em conhecer o futebol brasileiro com profundidade para tomar decisões bem informadas, o que já o distancia do simples aluguel de suas reconhecidas virtudes para comandar times de futebol por um ano. Da parte da CBF, o trecho crucial da tarde foi revelado pelo presidente aclamado; a confederação não pretende interferir, de nenhuma forma, no trabalho da nova comissão técnica. Sem dúvida, um início auspicioso. Ancelotti é famoso no mundo do futebol por se relacionar inteligentemente com seus superiores, mas para tudo há um limite. Imagine Samir Xaud discutindo futebol com Carletto.
A ocasião também serviu para a apresentação da primeira lista de convocados de Ancelotti, para os jogos contra Equador e Paraguai, no início de junho. Natural que houvesse alguma ansiedade e, uma vez conhecidos os jogadores chamados, as opiniões variem. Talvez seja aconselhável lembrar que Ancelotti dirigia o Real Madrid até alguns dias atrás, de modo que sua disponibilidade para observações não era das mais generosas. Essa lista inicial é muito mais uma colaboração entre ele e a diretoria de seleções do que um produto das ideias do técnico para o futuro próximo. A seleção brasileira está atrasada. A CBF, mais ainda. Que deixem Ancelotti trabalhar.