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De doação falsa a 'Major': Dz7 faz balanço sobre carreira, esports e racismo 6n711w

No dia 28 de maio, o streamer Guilherme Borges foi vítima de uma doação falsa milionária de R$ 4 mil e que virou notícia no cenário de esportes eletrônicos.

Conhecido pelo nick de Dz7, ele até havia dito que “não imaginava essa dimensão” por conta da repercussão toda da história, que contou com mobilização da comunidade gamer e até doação milionária de Gaules.

Pouco mais de dois meses depois do ocorrido, realmente, a dimensão que esse episódio acarretou na vida de Dz7 é algo que nem ele pôde mensurar. Da doação falsa, ele chegou até mesmo ao “Major brasileiro” de Counter-Strike: Global Offensive, além de fechar parceria com cinco empresas.

Foram muitas conquistas. O streamer se tornou parceiro da Gamers Club, plataforma brasileira de esportes eletrônicos, fechou parcerias com marcas e, o ponto alto dessa reviravolta: virou caster de VALORANT e Counter-Strike: Global Offensive, tendo como principais conquistas as participações por GC Ultimate e GC Masters - dois grandes campeonatos dessas categorias respectivamente.

“Quem diria que um negro seria caster da Gamers Club?”, exaltou Guilherme em nova entrevista exclusiva ao ESPN Esports Brasil. Na época do acontecido, ele chegou a comentar para a reportagem sobre as dificuldades que sentia na pele por ser um negro no meio de esports.

Isso porque, dentre as equipes de casting dos mais variados campeonatos, o elenco de transmissão é praticamente todo branco. “Ainda existe essa dificuldade de chegar lá…”, lamentou. “Eu dei um o muito largo pra frente, mas não estou onde quero estar ainda.”

"Ainda existe essa dificuldade de chegar lá" Dz7

E olha que esse lugar no qual Dz7 ocupa não é pouca coisa não. Ele chegou a estrear no ramo pelo Fusion New Rivals e também já comentou no CLUTCH, um dos principais torneios nacionais de CSGO.

Pela GC Ultimate, ele esteve na equipe de casting do primeiro torneio oficial de VALORANT no Brasil - e é um jogo que cada vez mais demonstra que o competitivo veio para ficar. “Ser pioneiro [como caster negro] nesse primeiro evento oficial… Estou escrevendo nossa história!”

“E tem novidade por aí…”, deixou no ar para a reportagem.

Já no caso da GC Masters, conhecida como o “Major brasileiro” de CSGO, o sentimento de orgulho se mistura com o de realização porque o FPS da Valve está presente na vida dele desde a adolescência. "Naquela época, 2003, eu assistia, jogava e treinava CS. Eu trabalhava numa lan house pra não receber salário e pedir para jogar. E eu ainda competia. Joguei o estadual do Rio de Janeiro, ali em 2005. Eu queria ser um dos caras pra jogar. Mas eu não tinha recurso nem informação pra conseguir atingir esse patamar."

Além disso, Dz7 sempre esteve na audiência da GC Masters. “São cinco anos assistindo, de iração e amor. E aí nesse quinto ano eu estou envolvido. É um sentimento que dinheiro nenhum paga. Foi uma emoção única.”

Guilherme agradece a oportunidade que teve de estar ao lado de pessoas como BiDa, AMD e cAmyy, além de ter analisado como caster partidas de pessoas que ira e até criou laços, como raafa da W7M e Apoka da BOOM.

“Quando você ama, você quer está por dentro daquilo ali, quer conhecer as pessoas que fazem. Algo que eu amava assistir, hoje tô no meio das pessoas”, disse orgulhoso.

Inclusive, Dz7 parafraseou snowzin, jovem jogador de CSGO e que esteve em período de estágio com a BOOM, para ilustrar todo esse sentimento. “Ele falou: 'Ano ado, eu estava tirando uma foto com o felps no ‘Encontro da Lendas’. Hoje estou no time dele'. É o mesmo sentimento. Tudo o que eu ei realmente valeu a pena.”

Engana-se que Dz7 está satisfeito. Ele quer mais. “Espero muito poder fazer outros projetos e grandes feitos como esse. Quero estar no meio. É um meio que sempre amei.” E não é apenas no FPS. Ele também pensa em ser caster de League of Legends.

O streamer, inclusive, é só agradecimentos à Gamers Club por todo o apoio dado desde a história da doação falsa. “Sempre joguei na GC, desde 2017, por aí.. Hoje tenho uma medalha da GC, sou parceiro da GC e comentarista da GC. É tipo você gostar da Ferrari. Aí você trabalha na Ferrari e depois ganha uma Ferrari pra dirigir. É um sonho. É um mérito de esforço meu.”

O COMEÇO DE TUDO 2x4s1v

“Não tem nem como esquecer, né...”, refletiu quando questionado pela reportagem sobre a doação falsa. “Grande parte das coisas que aconteceram só aconteceram porque houve aquele episódio. Não vou tirar o meu mérito de que em cinco ou dez anos acontecessem esses benefícios que vieram, mas esse fake donate acelerou bastante o processo das coisas.”

“Infelizmente, a gente só consegue ter visibilidade quando algo de ruim acontece para remeter para algo bom. E não quando o nosso bom tá sendo tão valorizado que as empresas vão reconhecer”, condenou.

E o que aconteceu com o “responsável”, bem entre aspas, por tudo isso? “O cara que fez a doação falsa veio conversar comigo. adas umas duas semanas, ele criou uma conta fake e veio falar comigo. 'Me desculpa, fui eu que fiz o fake donate com nome falso, não vou falar meu nome, mas gostaria que você me perdoasse pelo que fiz. Era uma brincadeira e não imaginava que fosse chegar nessa proporção'”, relembrou.

Dz7 só perdoou com uma única condição: que a “brincadeira” não voltasse a se repetir com mais ninguém. “Porque beleza, comigo deu uma repercussão positiva, mas quem garante que com o próximo vai ajudar da mesma forma? Só perdoei com essa condição. Não ficamos de amores também. E, realmente, tem que perdoar mesmo.”

"A gente só consegue ter visibilidade quando algo de ruim acontece para remeter para algo bom" Dz7

LÁGRIMAS, SUOR E SONHOS o351h

A imagem que fica da polêmica que envolveu Dz7 foi o choro dele no momento que aconteceu a suposta doação milionária. Ela aconteceu no mesmo mês em que Guilherme havia tido uma conversa séria com os pais dele.

“Eu fazia dois anos de live. Em maio, eu falei para o meu pai e minha mãe: 'Olha, eu faço stream há algum tempo, vocês sabem. Este ano vou fazer isso virar'. Foi por isso que aquele choro foi tão intenso.”

E, já trazendo para hoje, mesmo com tantas conquistas, Dz7 pensa à longo prazo. “A gente sonha sempre. A gente já começa a sonhar quando começa a fazer.”

E ele até elencou alguns objetivos para o futuro. “Poder narrar um sonho com Gaules, poder narrar um Major... É o famoso zerar a vida.”

Quem sabe, por que não, ser até mesmo jogador profissional? Mas não de CSGO, que é a sua grande paixão. “Na minha época de criança, quando eu tinha 13 anos por aí, meu sonho era ser jogador profissional de CS. Mas vou completar 30 anos em novembro, entende... Sabe que não dá mais pra ser pro player.”

A alternativa: Call of Duty: Warzone. “Talvez eu possa me dedicar a nível profissional ao CoD. Teria que estudar como funciona. O nível profissional como está hoje no Brasil, não tem orgs pra isso. Tem o ninext, o Ale, o ziGueira... Os caras têm um nível elevadíssimo de org, mas não tem eventos. Tem só disputa de streamers. Não é igual lá nos EUA, que tem até uma FaZe. Quem sabe seja uma lacuna que eu possa preencher. Agora que a placa [de vídeo] chegou, dá pra sonhar. Vamos para o futuro.”

"A gente já começa a sonhar quando começa a fazer" Dz7

Mas, com os pés no chão, Dz7 olha para o hoje. “A curto e médio prazo, investir mesmo em casting e streaming, mas claro que abraçaria uma oportunidade como pro player.”

“Hoje posso dizer que sou um aspirante a caster”, avaliou. “Não tô sendo caster para poder quebrar um galho ou algo do tipo. Tô fazendo porque gosto disso. Se as coisas convergirem para que seja, farei com o maior carinho do mundo.”

Ainda assim, Guilherme não largará as lives. “Mesmo que vá convergir para caster, não vou parar de fazer stream. Não faço por dinheiro. Sou streamer por amor.”

E não é só amor que move Dz7 nessa jornada pelos esportes eletrônicos. É inquietação também e incômodo. Muito incômodo. “Algo que me chamou a atenção: todos os prêmios de referência tecnológica, gamer ou afins não tem nenhum negro. Não tem nenhum negro. Isso é um ponto que eu quero mudar.”

Inclusive, ele relembra a conversa que teve com os pais em maio como forma de combustível quando ainda era apenas um streamer tentando conquistar seu espaço na bolha gamer. “‘Não sei em que ponto vai virar [as lives], mas vai virar. Seja de qual forma que for, vou me dedicar. Se precisar dedicar quatro horas por dia além do meu trabalho principal, vou fazer funcionar’”, relembrou o diálogo.

“Não é justo a gente batalhar tanto para não ter a mesma visibilidade que os outros têm. Por que só alguns podem estar no topo?”, questionou.

RACISMO NOS ESPORTS 10r45

Durante a conversa com a reportagem, Dz7 refletiu sobre como o racismo ainda impacta negativamente o cenário de esportes eletrônicos. O caso dele repercutiu em meio ao movimento "Black lives matter" ("Vidas negras importam"), que foi originado por conta de George Floyd, um estadunidense morto por um policial branco após abordagem na rua.

Como reflexo disso, o mundo ou a mobilizar campanhas para combate ao racismo - e nos esports não foi diferente, com várias organizações, marcas e jogadores/streamers se posicionando com #VidasPretasImportam. Foi um período no qual muitos streamers negros ganharam visibilidade com divulgações e ganks em suas lives, principalmente do coletivo Wakanda Streamers, voltado para criadores de conteúdo da comunidade negra.

Questionado sobre o que mudou desde então, Dz7 foi bem direto. “Todos os streamers negros tiveram um boom gigantesco, mas, depois que acabou o hype, os negros foram esquecidos de novo. Quem tá no topo permanece, os negros voltaram a onde estavam antes. Não posso mentir.”

Guilherme falou sem rodeios que o caso dele é um ponto fora da curva da dinâmica que se deu em meio ao “hype” que a comunidade preta teve nos últimos tempos. Ele conseguiu alavancar, enfim, o sonho de se profissionalizar como streamer, teve as portas abertas para casting e fechou contrato com marcas.

"Quem tá no topo permanece, os negros voltaram aonde estavam antes. Não posso mentir" Dz7

Mas e os outros streamers pretos? “No caso da Wakanda [Streamers], você via a Wakanda tão citada no Twitter, várias referências etc e 'n' postagens... Aí hoje você abre as redes sociais e acha quantas referências?”

Mesmo tendo tido sucesso no geral, a crítica geral de Dz7 acaba sendo refletido nos números dele mesmo na Twitch. Em termos de consumo de comunidade, essa análise ao longo dos últimos meses fica bem evidente.